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sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Entrevista com José de Souza Martins(parte 17)

A participação das igrejas protestantes e o surgimento das seitas

ESTUDOS AVANÇADOS - Você se refere a alguns grupos, algumas confissões protestantes que ficaram próximas da Igreja Católica naquele momento de repressão e que, de algum modo, ainda trabalham numa linha progressista. Você poderia particularizar um pouco quais seriam estas confissões protestantes que se abriram ao social a partir dos anos 60?

J. S. M. - Poderia responder a partir da minha experiência direta no trabalho da Comissão Pastoral da Terra (CPT). A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, por exemplo, tem sido membro oficial da Comissão Pastoral da Terra, apesar da CPT ser um órgão da CNBB. Durante muito tempo a vice-presidência da CPT foi ocupada por pastores luteranos, sucessivamente, e a presidência por bispos católicos. Em algumas regiões do Brasil, como Paraná e Rondônia, a CPT é sempre dirigida por um luterano e não por um católico, porque os católicos são minoria no trabalho da CPT nessas áreas. Há, portanto, uma convivência ecumênica muito importante.
Os presbiterianos descartados oficialmente pelas suas igrejas se recolheram para a Igreja Católica, continuando presbiterianos. Não se converteram nem foram solicitados à conversão, e se tornaram colaboradores importantes de bispos, em trabalhos pastorais. Foram efetivamente acolhidos, a palavra é essa. Como outro exemplo, posso dizer que ainda hoje encontro pastoras da Igreja Metodista em reuniões da CPT. No início do seminário metodista, em São Bernardo do Campo, o paraninfo da turma de pastores ali formados em 1964 foi dom Hélder Câmara, logo depois do golpe. Pelo menos estas três igrejas - os dissidentes e descartados da Igreja Presbiteriana, e os pastores e pastoras da Igreja Luterana e da Igreja Metodista - têm tido uma convivência com a Igreja Católica, até mesmo oficialmente, como é o caso da Igreja Luterana.

Há ainda os encontros de bispos no Conselho Nacional das Igrejas Cristãs (Conic), sobretudo no sul do Brasil, que reúnem protestantes e católicos. No ano em que assessorei a assembléia da CNBB havia um representante da Igreja Luterana, convidado por dom Ivo Lorscheider. Dom Ivo representava a Igreja Católica no Conic, e esse pastor era o representante dos luteranos naquele Conselho. Dessa forma, tem havido todo um trabalho de convivência, colaboração e apoio recíprocos, sobretudo na área das pastorais sociais, independente de restrições hierárquicas de pessoas que não estão familiarizadas com o que esteja acontecendo mais no chão.

ESTUDOS AVANÇADOS - Para encerrar esse tema da relação entre igrejas e sociedade, nós não podíamos omitir, tratando-se de uma visão de um sociólogo, o que está acontecendo com o que se chama a multiplicação das seitas. Estas seitas, que parecem não ter ligação nenhuma com as igrejas citadas, quer a Católica, quer as igrejas protestantes mais tradicionais, em geral são interpretadas como fenômenos da religião numa sociedade de massas, com forte componente conformista e conservador. Você vê que isto já tem um peso, no sentido ideológico, nos subúrbios da periferia?

J. S. M. - Sem dúvida tem. As seitas, que não são igrejas protestantes, é importante dizer isto, mas sim igrejasevangélicas, não têm nenhum vínculo com a doutrina, nem com as orientações teológicas da Reforma Protestante. São, digamos assim, uma espécie de resíduo extremo do que foi a Reforma, mas não têm nenhuma relação com ela.

As seitas estão crescendo muito, basicamente nesse território vazio de alguns possíveis equívocos do trabalho pastoral da Igreja Católica. Talvez a estratégia de redefinição da relação da Igreja Católica com as populações mais pobres, na periferia, em certas áreas rurais quase urbanizadas, seja um tanto quanto insuficiente, excessivamente ritual. Seria necessário rever criticamente certas coisas, o que vale para as igrejas protestantes tradicionais, que também estão perdendo pessoas para esses grupos.

As igrejas eletrônicas, as igrejas do espetáculo religioso, as seitas, estão cobrindo uma necessidade da população que não é uma necessidade religiosa stricto sensu. Estão cobrindo necessidades psicológicas dos que sentem a carência de ser parte de alguma coisa ampla, e não de algo pequeno como as comunidades de base, ou seja, de ser parte do espetáculo moderno. Mas isso não é o moderno, é apenas o espetáculo do moderno. Não tenho dúvida de que se fizermos uma pesquisa, descobriremos que elas têm a função de reintegrar as pessoas que estão à margem, recriando uma concepção administrada da esperança.

Há aspectos que poderiam ser avaliados positivamente mas, de qualquer modo, essas seitas criam uma massa manipulável, em todos os sentidos. Para mim, esse é seu aspecto mais complicado Essas seitas não se contentam em manipular em termos de crença, de religião, de estabelecer uma espécie de liderança carismática compulsória, se é que isto é possível. Buscam manipular também no âmbito da política, no âmbito de outras opções, e de fato estão crescendo como partidos políticos, não apenas como seitas religiosas.

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