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sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Conciliação entre ONGs e Movimentos Sociais!

Observou-se a partir de então a conseqüente mudança do perfil das ONGs: de centros de educação popular passaram a ser entidades de assessoria aos movimentos sociais, na medida da limitação de suas atuações. Fortaleciam a luta dos movimentos ao produzir conhecimento sobre suas atividades e a partir delas, além de incentivar a formulação de políticas públicas para os mais diferentes setores sociais.
Condição que atribui às ONGs uma posição cômoda em relação ao resultado do trabalho que desenvolvem, na medida em que não respondem diretamente pelos equívocos dos movimentos sociais. Em decorrência desta aparente distância, alguns setores dos movimentos sociais, em especial o ambientalista, se relacionam com as ONGs de uma maneira até mesmo pejorativa ao tratá-las como ‘entidades de assessoria’, salientando o distanciamento para com as lutas dos movimentos sociais.
Além disso, a condição de autonomia conquistada e atribuída às ONGs também as credenciou para o diálogo com outros atores sociais, a saber: o Estado e o Mercado. Desprovidas de uma origem partidária, ou mesmo ideológica pelas quais se referenciam; ressaltando princípios de conceituação elástica (democracia ou cidadania, por exemplo); sustentadas pela contribuição financeira às pesquisas e projetos que desenvolvem, as ONGs tornam-se interlocutores ideais de governos e empresas na medida em que não mais representam ameaças a estes, ao contrário dos movimentos sociais.
Essa condição, somada ao conhecimento que as ONGs possuem sobre as fontes de financiamento, faz com que se crie uma relação de dependência clientelista entre as ONGs e os setores por elas assessorados. Alois Moler, consultor de ONGs para agências de cooperação internacional, mostra como as ONGs se colocam como intermediárias entre a comunidade e a agência financiadora, cumprindo o papel que deveria surgir da mobilização da comunidade.
Na maioria das vezes, a comunidade tem condições de se mobilizar por conta própria se o esforço for direcionado para esse fim. Além disso, a prática clientelista não soluciona de fato os problemas do cliente: devolve à clientela recursos que por outra via lhe foram extraídos e utiliza estes fluxos de recursos como meio de dominação ideológica. O projeto se torna um meio para se conseguir recursos externos, não um esforço planejado de um grupo de pessoas para alcançar um objetivo e modificar determinada situação, além disso, a necessidade de escrever projetos e administrar recursos marginaliza o pobre que não sabe escrever, nem possui conhecimentos próprios para administrar - gerando dependência e perda de dinamismo.
A relação entre as partes também passa a ser desvirtuada diante do contrato estabelecido: a doação dá para os líderes intermediários um poder maior dentro de um determinado grupo; o estrangeiro deixa de ser o explorador imperialista para ser benfeitor dos pobres; as doações substituem a criatividade e o esforço próprio dos sujeitos populares, fazendo da apresentação de projetos um meio mais cômodo do que iniciar um processo de poupança; também as agências financiadoras passam a ver as ONGs como melhores informantes, prestadores de serviços e canalizadores de fundos, compondo assim a cadeia clientelista.
Fazendo o que o governo não faz, deixam de ser apenas interlocutoras do social para se tornarem seus representantes junto à opinião pública, encarnando a ação cidadã que dá conta das questões sociais. Por sua vez, o governo também passa a promover seu programa social de braços dados com as ONGs, chamando-as à responsabilidade e à cumplicidade com seu programa de ação.
Nesse sentido, configura-se um terceiro setor cúmplice das ações governamentais, que, em certa medida vai de encontro à concepção de Jean Pierre Leroy, coordenador da FASE, que propõe a existência de ONGs que possam exercer o papel deombudsman do governo junto à sociedade. É de se perguntar quais ONGs teriam base ou legitimidade para julgar um determinado governo senão as que compartilhassem de sua forma de atuação, já que não podemos negar a existência de concepções ideológicas que sustentam os programas de governo.
Portanto, conceber um terceiro setor nesses moldes contribui para esvaziar a ação política dos movimentos sociais em nome da valorização da ação cidadã. Cidadania nesses termos implica em fortalecer o Estado que está sendo gerido e construído dentro desses princípios. Essa estratégia já se mostrou equivocada do ponto de vista de uma ação radical da sociedade civil logo no início do braço governamental da Campanha da Ação da Cidadania - o CONSEA que, além de não ter emplacado em termos de políticas alternativas em segurança alimentar, teve um papel limitado dentro do Governo Itamar e foi extingüido sem maiores explicações já no início do Governo Fernando Henrique Cardoso.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

ONGs e sua Identidade.

Num primeiro momento, as ONGs se desenvolveram em sua maioria a partir dos trabalhos de educação popular junto às comunidades. Pode-se dizer que foram a existência possível dos movimentos sociais em tempos de ditadura militar, equacionando uma fachada de escola comunitária com uma clandestinidade sempre proporcional à radicalidade de suas ações.
Por sua vez, militantes que viviam no exílio passaram a travar contatos com pessoas que trabalhavam ou militavam junto às agências de cooperação no exterior, muitas delas ligadas às igrejas, com as quais conseguiam intermediar a relação de apoio financeiro e político com as ONGs do Sul. Torna-se evidente aí a complexidade de relações que abrange o conjunto dessas organizações, tornando seu estudo tão amplo quanto fascinante.
Pretendemos aqui enfocar essa nova forma de militância surgida a partir das ONGs, que envolve não só a pessoa, mas também a própria natureza do seu trabalho, e ganha status de profissão: como se estabelecem as relações entre ONGs e movimentos sociais e em que espaços a militância pode se preservar a partir deste novo contexto?
Será especialmente salientada a tensão introduzida na relação entre ONGs e movimentos sociais, onde vemos que, se por um lado as ONGs se referenciam cada vez mais no interior da sociedade civil, gerando espaços de aprofundada discussão sobre temas relativos às etnias, gêneros, crianças e adolescentes; ao meio ambiente, às questões urbanas e rurais; à comunicação, à educação, aos direitos humanos ... por outro elas não reivindicam para si um espaço de militância, na medida em que não se comprometem com a direção política dos movimentos sociais.
Portanto, procuraremos fazer uma espécie de ‘expedição arqueológica’ em tempo presente, no sentido de resgatar os espaços de militância perdidos nesses tempos de pós-ditadura militar, dando especial ênfase para o planejamento de comunicação de ONGs e movimentos sociais que resultam daí, no sentido da criação de uma cultura afirmativa de um projeto de transformação social.
No Brasil, a partir do processo de abertura política, as ONGs se viram num impasse, já que muitas delas serviam de apoio, ou mesmo sustentação formal, para a continuidade da ação política durante a ditadura militar. Começa então a abertura de caminhos para a afirmação de sua identidade, concebida como um fenômeno institucional específico, com características próprias e autônomas em relação a outros atores sociais. Ressaltam sua condição à serviço dos movimentos populares, portanto, com um papel historicamente dado desde o início de sua atuação, mudando ou não conforme a dinâmica social e a dos próprios movimentos.
Como condição de existência, necessária para quem estava descobrindo as particularidades de atuação desenvolvidas, as ONGs vão redefinindo seu papel numa conjuntura de reorganização da sociedade civil. Dessa forma é que constroem seus discursos de “autonomia face ao Estado, às Igrejas, aos movimentos populares, partidos e à Universidade”[1]. Desta rearticulação surgiu em 1990 a Associação Brasileira das ONGs - a ABONG.
Ao longo de sua história, as ONGs desenvolveram o papel de “assessoria” aos movimentos sociais, ou seja, comprometem-se com as causas dos movimentos, desenvolvem trabalhos com eles - prestam assessoria, mas não podem dirigí-los politicamente, nem mesmo podem se submeter às suas decisões.
Esta concepção deixa clara a distinção entre as ONGs e os movimentos sociais, no sentido de garantir sua especificidade e legitimação no conjunto da sociedade civil. As entidades representativas dos movimentos (sindicatos e associações de moradores, por exemplo) têm íntimo envolvimento político com decisões e questionamentos que levantam, ao passo que a bandeira característica das ONGs é a da autonomia com compromisso para com a sociedade civil organizada, ou seja, sendo agentes de capacitação política, não se comprometem com a organização das estratégias de atuação dos movimentos.
Se, num primeiro momento, as ONGs surgem a partir dos movimentos sociais, a articulação que fizeram - motivadas pela continuidade de suas ações - teve o mérito de lhes conferir um status de atores sociais dotados de um perfil específico que difere da ação dos movimentos sociais. Enquanto para esses, a essência de sua existência é a da militância, para as ONGs o cerne de suas realizações é o trabalho.