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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

ONGs e sua Identidade.

Num primeiro momento, as ONGs se desenvolveram em sua maioria a partir dos trabalhos de educação popular junto às comunidades. Pode-se dizer que foram a existência possível dos movimentos sociais em tempos de ditadura militar, equacionando uma fachada de escola comunitária com uma clandestinidade sempre proporcional à radicalidade de suas ações.
Por sua vez, militantes que viviam no exílio passaram a travar contatos com pessoas que trabalhavam ou militavam junto às agências de cooperação no exterior, muitas delas ligadas às igrejas, com as quais conseguiam intermediar a relação de apoio financeiro e político com as ONGs do Sul. Torna-se evidente aí a complexidade de relações que abrange o conjunto dessas organizações, tornando seu estudo tão amplo quanto fascinante.
Pretendemos aqui enfocar essa nova forma de militância surgida a partir das ONGs, que envolve não só a pessoa, mas também a própria natureza do seu trabalho, e ganha status de profissão: como se estabelecem as relações entre ONGs e movimentos sociais e em que espaços a militância pode se preservar a partir deste novo contexto?
Será especialmente salientada a tensão introduzida na relação entre ONGs e movimentos sociais, onde vemos que, se por um lado as ONGs se referenciam cada vez mais no interior da sociedade civil, gerando espaços de aprofundada discussão sobre temas relativos às etnias, gêneros, crianças e adolescentes; ao meio ambiente, às questões urbanas e rurais; à comunicação, à educação, aos direitos humanos ... por outro elas não reivindicam para si um espaço de militância, na medida em que não se comprometem com a direção política dos movimentos sociais.
Portanto, procuraremos fazer uma espécie de ‘expedição arqueológica’ em tempo presente, no sentido de resgatar os espaços de militância perdidos nesses tempos de pós-ditadura militar, dando especial ênfase para o planejamento de comunicação de ONGs e movimentos sociais que resultam daí, no sentido da criação de uma cultura afirmativa de um projeto de transformação social.
No Brasil, a partir do processo de abertura política, as ONGs se viram num impasse, já que muitas delas serviam de apoio, ou mesmo sustentação formal, para a continuidade da ação política durante a ditadura militar. Começa então a abertura de caminhos para a afirmação de sua identidade, concebida como um fenômeno institucional específico, com características próprias e autônomas em relação a outros atores sociais. Ressaltam sua condição à serviço dos movimentos populares, portanto, com um papel historicamente dado desde o início de sua atuação, mudando ou não conforme a dinâmica social e a dos próprios movimentos.
Como condição de existência, necessária para quem estava descobrindo as particularidades de atuação desenvolvidas, as ONGs vão redefinindo seu papel numa conjuntura de reorganização da sociedade civil. Dessa forma é que constroem seus discursos de “autonomia face ao Estado, às Igrejas, aos movimentos populares, partidos e à Universidade”[1]. Desta rearticulação surgiu em 1990 a Associação Brasileira das ONGs - a ABONG.
Ao longo de sua história, as ONGs desenvolveram o papel de “assessoria” aos movimentos sociais, ou seja, comprometem-se com as causas dos movimentos, desenvolvem trabalhos com eles - prestam assessoria, mas não podem dirigí-los politicamente, nem mesmo podem se submeter às suas decisões.
Esta concepção deixa clara a distinção entre as ONGs e os movimentos sociais, no sentido de garantir sua especificidade e legitimação no conjunto da sociedade civil. As entidades representativas dos movimentos (sindicatos e associações de moradores, por exemplo) têm íntimo envolvimento político com decisões e questionamentos que levantam, ao passo que a bandeira característica das ONGs é a da autonomia com compromisso para com a sociedade civil organizada, ou seja, sendo agentes de capacitação política, não se comprometem com a organização das estratégias de atuação dos movimentos.
Se, num primeiro momento, as ONGs surgem a partir dos movimentos sociais, a articulação que fizeram - motivadas pela continuidade de suas ações - teve o mérito de lhes conferir um status de atores sociais dotados de um perfil específico que difere da ação dos movimentos sociais. Enquanto para esses, a essência de sua existência é a da militância, para as ONGs o cerne de suas realizações é o trabalho.

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