Observou-se a partir de então a conseqüente mudança do perfil das ONGs: de centros de educação popular passaram a ser entidades de assessoria aos movimentos sociais, na medida da limitação de suas atuações. Fortaleciam a luta dos movimentos ao produzir conhecimento sobre suas atividades e a partir delas, além de incentivar a formulação de políticas públicas para os mais diferentes setores sociais.
Além disso, a condição de autonomia conquistada e atribuída às ONGs também as credenciou para o diálogo com outros atores sociais, a saber: o Estado e o Mercado. Desprovidas de uma origem partidária, ou mesmo ideológica pelas quais se referenciam; ressaltando princípios de conceituação elástica (democracia ou cidadania, por exemplo); sustentadas pela contribuição financeira às pesquisas e projetos que desenvolvem, as ONGs tornam-se interlocutores ideais de governos e empresas na medida em que não mais representam ameaças a estes, ao contrário dos movimentos sociais.

Na maioria das vezes, a comunidade tem condições de se mobilizar por conta própria se o esforço for direcionado para esse fim. Além disso, a prática clientelista não soluciona de fato os problemas do cliente: devolve à clientela recursos que por outra via lhe foram extraídos e utiliza estes fluxos de recursos como meio de dominação ideológica. O projeto se torna um meio para se conseguir recursos externos, não um esforço planejado de um grupo de pessoas para alcançar um objetivo e modificar determinada situação, além disso, a necessidade de escrever projetos e administrar recursos marginaliza o pobre que não sabe escrever, nem possui conhecimentos próprios para administrar - gerando dependência e perda de dinamismo.

Fazendo o que o governo não faz, deixam de ser apenas interlocutoras do social para se tornarem seus representantes junto à opinião pública, encarnando a ação cidadã que dá conta das questões sociais. Por sua vez, o governo também passa a promover seu programa social de braços dados com as ONGs, chamando-as à responsabilidade e à cumplicidade com seu programa de ação.

Portanto, conceber um terceiro setor nesses moldes contribui para esvaziar a ação política dos movimentos sociais em nome da valorização da ação cidadã. Cidadania nesses termos implica em fortalecer o Estado que está sendo gerido e construído dentro desses princípios. Essa estratégia já se mostrou equivocada do ponto de vista de uma ação radical da sociedade civil logo no início do braço governamental da Campanha da Ação da Cidadania - o CONSEA que, além de não ter emplacado em termos de políticas alternativas em segurança alimentar, teve um papel limitado dentro do Governo Itamar e foi extingüido sem maiores explicações já no início do Governo Fernando Henrique Cardoso.